Não teve golpe em 1964 e o Corona é só uma gripezinha
Ele não aguenta. É tipo uma compulsão. Precisa dizer e publicar sandices o tempo todo. Como se houvesse uma horda de zumbis à espera de um comando para entrar em ação. "Ela queria dar o furo!", e a horda passa a distribuir vitupérios e insultos sexistas contra mulheres, jornais e jornalistas. "Você tem uma cara de homossexual terrível!", e em instantes pululam agressões nos mais diferentes matizes do fascismo e da homofobia. "O Brasil não pode parar!", e lá se vai a manada para as ruas, sem necessidade, fazendo troça de quem opta pela prudência do resguardo. "Pulem da janela!" …certeza que muitos pulariam.
Fossem apenas sandices, estaria tranquilo e favorável. As sandices, no seu caso, vêm acompanhadas de incitações perigosas. Pregam a agressão, a banalização do mal e, como vimos mais recentemente, a opção pelo risco de contágio. Vem brincar de roleta russa, vem! Você até pode pegar uma gripezinha, mas pelo menos não vai quebrar. Seria cômico se não fosse trágico. E se ainda tivéssemos alguma condição de rir de falas e atitudes como essas.
Quando surge uma pontinha de esperança, ploft: profere uma nova ignomínia para acordar os zumbis e tranquiliza-los: calma, tá tudo certo, o mito voltou, podem continuar batendo a cabeça na parede. É batata.
Minutos após fazer na TV um pronunciamento que pareceu equilibrado aos olhos de muitos – embora teime em defender o isolamento apenas parcial da população, focada nos grupos de risco, uma postura considerada desastrosa por especialistas –, não resistiu: foi às redes sociais para repetir que não houve ditadura militar no Brasil. É mais forte do que ele.
O post, publicado no Facebook nas últimas horas do dia 31 de março, veio disfarçado de aula de história. Numa rápida cronologia dos primeiros dias de abril de 1964, afirmou que o Marechal Castelo Branco se tornou presidente somente após ter sido eleito para o cargo, indiretamente, em conformidade com a Constituição em vigor, que previa eleições indiretas em caso de vacância da Presidência da República. Ou seja: nenhum golpe em 1964, nenhuma posse ilegítima.
Faltou ao ilustre capitão explicar a vacância, ou melhor, a mentira da vacância, uma vez que, sabe-se há mais de meio século, João Goulart estava em território brasileiro no momento em que deputados oposicionistas declararam vago o cargo de presidente. Faltou também explicar as tropas que partiram de Juiz de Fora e de outras cidades e se dirigiram ao Rio de Janeiro naquela noite de 31, talquei?
A historinha postada na noite de 31 de março de 2020, 56 anos após o golpe contra Jango e contra a democracia, não tem o condão de fazer a ditadura desaparecer, nem a censura, a tortura, as centenas de mortes de ativistas políticos, as milhares de mortes de camponeses e indígenas, os desaparecimentos, a ocultação de cadáveres, a retirada de direitos, o desmonte da educação, a dívida externa monumental.
Mas, para a horda de zumbis, parece que deu certo. Eles continuam firmes e fortes na tarefa inadiável de ir ao trabalho todos os dias mesmo sem necessidade, aplaudir transmissões ao vivo do ídolo com histórico de atleta e, o que nenhuma quarentena é capaz de coibir, entrar nos blogs para xingar jornalistas, comunistas e outros demônios.
Só falta pular pela janela.
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